A velha cadeira
de balanço
Foi
comprada há tantos anos que nem lembro mais, numa loja famosa da Heitor
Penteado, em que minha mãe sempre escolhia todos os móveis da casa desde que
casou. A cadeira de balanço, por primeiro, foi comprada para o meu pai, já
quando enveredou pelos seus cinquenta e poucos anos.... Sempre no mesmo canto,
a cadeira em cada nó da madeira antiga que a arrima, e na palhinha que combina,
teria muita coisa pra contar dos sonhos antigos resumidos em anseios
realizados. A mesa da sala, em que todos ali reunidos eram partes dos sonhos
conjuntamente sonhados....expectados...plasmados...revistos. E foram chegando
os agregados, todos tão amados, quanto reencontrados pela mais doce empatia, no
tempo, desde o universo de onde partiram para a terrena morada...com a
finalidade de todos nos encontrarmos. Encontro marcado, destino, busca...amor
em prevalência....não sei dizer o que seria....só sei que vivemos tudo isso. E
ali quantos Natais passados, quantos risos e quantas festas... quantos nascimentos...e renascimentos...e crescimento.... comemorados em união, em
paz....e quando a discórdia aparecia...sempre alguém varria. Depois meu pai
partiu pra terra original e passados tantos anos, a cadeira, como assistente ficou
muda em seu canto, mas, ao olhar para ela parecia sempre iluminada não sei se
pelo sol ou pela luz que dela emanava vinda de mais além....E chegou o dia em
que à minha mãe coube ocupar a velha cadeira de balanço, todos os dias, num
ritual quase mágico....como se os dias ali dançassem seu balé....até mesmo
quando andando bem pouquinho...com sua elegância permanente...ela se despertava....tomava
seu café da manhã...depois se banhava e se arrumava...como se fosse pra
sair....e ocupava a velha cadeira de balanço...fosse pra fazer o seu tricô...ou
para ler as revistas que não lhe faltavam....assistir suas novelas
preferidas...ou ainda para conversar....contar suas histórias....falar sobre a
sua vida....ou ver os campeonatos todos...e torcer, até o fim pelo seu
Corinthians.... A velha cadeira de balanço, ainda é o elo quando abro a
porta....e para ela olho....porque me fala de tudo isso e muito mais....e então
eu que não saio de uma cadeira que roda....me transporto para a infância e ali
me assento, imaginariamente, no colo do meu pai...como se ali permanecesse a
minha alma a balançar....ou de outras feitas, quando adentro a sala...e vejo a
cadeira de balanço ali vazia....novamente me vou vestida apenas de luz....e
ocupo o lugar que a sua saudade, mãe, a
sua partida criou....Deixem lá a cadeira mais um pouco....deixem nela o tempo
balouçar....as lembranças tão ricas de carícias....porque um dia será nela que
talvez precisemos nos sentar....Não se esqueçam que nem sempre as falas
d’alma...podem estar visíveis para tantos...por ser muito difícil sobre
elas conversar...Márcia Fernandes
Vilarinho Lopes